O que faz rico um país
Eliana Cardoso – 13/06/2012
A presidente disse que tem um arsenal de medidas para lidar com a crise. Fiquei preocupada. Desde que o mundo é mundo, períodos de expansão e contração se sucedem, e mais importante é o ritmo sustentável no longo prazo, garantido pelo respeito às instituições. Usar o Banco Central para programar políticas setoriais, por exemplo, viola esse princípio.
Mas no longo prazo – a presidente me diria – estaremos mortos. Com certeza. Mas os netos de nossos netos estarão vivos: razão suficiente para nos perguntarmos que país desejamos lhes deixar de herança.
Os economistas apontam duas causas para explicar a diferença de riqueza entre nações: a geografia e as instituições. A geografia em primeiro lugar. Doenças e baixa produtividade do solo contribuem para a pobreza dos países tropicais, em comparação com países de clima temperado. Os trópicos são insalubres, contando com mais parasitas, mosquitos e carrapatos. As características biológicas dos organismos responsáveis por doenças tropicais dificultam o desenvolvimento de vacinas. A falta de saúde reduz a produtividade do trabalho.
A produtividade da terra na região tropical também é mais baixa que nas áreas temperadas. As geleiras, que avançaram e recuaram, criaram solos ricos em nutrientes nas áreas temperadas. Áreas tropicais tendem a ter solos mais antigos, cujos nutrientes as chuvas lavaram durante milhares de anos. As plantas de clima temperado armazenam mais energia em suas partes comestíveis, enquanto certas pragas diminuem o rendimento das culturas tropicais. A tecnologia pode mudar alguns desses aspectos, mas durante séculos eles contribuíram para as desigualdades que hoje se observam.
De outro lado, as instituições merecem, cada vez mais, a atenção dos economistas. Daron Acemoglu e A. James Robinson (Why Nations Fail) explicam que, entre os países colonizados por europeus, aqueles que eram inicialmente os mais ricos são hoje os mais pobres. Em regiões (como as do Peru, Indonésia e Índia) que contavam com populações densas na época da colonização, os europeus introduziram instituições extrativistas como o trabalho forçado e o confisco de produtos em benefício da elite governante. Noutras regiões mais pobres, com populações mais escassas (como nas que hoje correspondem aos EUA e à Austrália), os colonos europeus tinham de trabalhar e, por isso, desenvolveram mecanismos institucionais mais gratificantes para o trabalho. Quando alcançaram a independência, as diferentes regiões herdaram as instituições das antigas colônias.
Entre as boas instituições, os economistas incluem a proteção ao direito de propriedade, o respeito aos contratos, as oportunidades para investir e controlar o rendimento dos investimentos, a inflação baixa e a livre troca de moedas. A evidência mais forte em apoio a essa opinião vem de experimentos naturais envolvendo a divisão de um ambiente uniforme por uma fronteira política separando instituições. Os exemplos incluem os contrastes entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e entre a Alemanha Oriental e a antiga Alemanha Ocidental.
A cerca que divide a cidade de Nogales, no Arizona (EUA), da cidade de Nogales, em Sonora (México), representa outro experimento natural sobre as sociedades humanas. Do lado americano, a renda média e a expectativa de vida são maiores; o crime e a corrupção, menores; saúde e estradas, melhores; as eleições, mais democráticas. A geografia é a mesma em ambos os lados da cerca; a composição étnica da população, muito semelhante. As razões para as diferenças entre as duas cidades residem nas diferenças entre as instituições dos EUA e as do México.
As instituições econômicas determinam em boa parte se um país é pobre ou rico. Por sua vez, as instituições econômicas dependem das instituições políticas. Sustentável é a riqueza alicerçada em boas instituições. Os progressos econômicos e subsequente declínio da União Soviética e do Império Otomano ilustram esse ponto. Se o ponto vale, podemos apostar que a China – cujas perspectivas de crescimento parecem ilimitadas para muitos observadores ocidentais – tem, provavelmente, trajetória destinada a ir de encontro a um despenhadeiro.
Não há dúvida sobre a importância das instituições na determinação da riqueza de um país. Mas por que alguns países as têm e outros, não? Pura sorte?
Jared Diamond (Armas, germes e aço) acredita que o surgimento de boas instituições depende da duração histórica do Estado. Até cerda de 3400 a.C., as sociedades humanas se organizavam em tribos e bandos desprovidos das instituições complexas dos governos modernos. As nações onde a agricultura surgiu há muitos milênios (como as europeias) hoje são, em média, mais ricas do que aquelas onde a agricultura tem uma história menos longa (como na África subequatorial). Esse fator explica cerca de metade das diferenças nacionais em termos de riqueza no mundo moderno. Como as boas instituições econômicas estão ligadas à duração das instituições governamentais, que por sua vez estão ligadas à história da agricultura, cuja produtividade foi pré-requisito para a criação de governos centralizados na antiguidade, cá estamos nós de volta à geografia.
A longevidade do Estado importa, porque não se podem introduzir instituições governamentais do nada, na esperança de que as pessoas desaprendam a experiência passada, da noite para o dia. Nem por isso a longa história de um Estado – embora crie condições para o surgimento de boas instituições – garante que elas surjam.
Contando com avanços tecnológicos na agricultura e no tratamento das doenças tropicais, resta aos brasileiros lutar por suas instituições. Medidas desesperadas, motivadas pelo desejo de produzir crescimento acima de 2% em 2012, podem prejudicar o desempenho da economia durante muitos anos.