Pela primeira vez no Brasil, paciente recebe pulmões recondicionados
O Estado de S. Paulo – 12/03/2012
O caminhoneiro Matheus de Moura começou a perder o fôlego aos 27 anos. De uma hora para outra, deu para ficar com faces arroxeadas ao menor esforço. Havia desenvolvido fibrose pulmonar, doença que endurece e atrofia os pulmões. Deixou o trabalho pesado e nos últimos meses já não conseguia andar nem tomar banho sozinho.
Aos 31 anos, o mineiro de Itajubá tornou-se o primeiro brasileiro a receber pulmões recondicionados. Saiu da fila de transplantes, depois de dois anos de espera, graças a uma técnica utilizada pelo Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, que devolve ao pulmão a capacidade de oxigenar o sangue. Sem o procedimento, o órgão seria descartado por não estar dentro dos padrões para um transplante regular.
A técnica, criada na Suécia e usada em países como Canadá e Estados Unidos, é a grande esperança para reduzir a fila de transplante de pulmão, órgão que mais rapidamente se degenera nos pacientes com morte cerebral – condição que permite o transplante.
“Temos muita dificuldade de obter pulmão. Grande parte dos pacientes com morte cerebral doa rim e fígado, mas o pulmão se deteriora. Entre 90% e 95% dos casos não conseguimos utilizá-lo”, afirmou o professor Fábio Jatene, coordenador do Programa de Transplante de Pulmão do Incor, instituto ligado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Desde maio, o Incor tem autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para aplicar a técnica, conforme o Estado antecipou na ocasião.
O pulmão não pode ser usado quando o doador sofreu um trauma, como quando a costela perfura o órgão; se tem infecções, como pneumonia; ou se tem excesso de líquidos. Por exemplo: quando o paciente recebe muito soro, a fim de estabilizar a pressão e manter os rins em funcionamento, esse líquido acaba infiltrando os pulmões.
Retirada. O órgão a ser transplantado é retirado em bloco – os dois pulmões e parte da traqueia – e ligado a uma cânula, por onde é injetada uma solução protegida por patente. A solução, mais densa do que o líquido que congestiona os pulmões, circula pelos vasos e “atrai” esse líquido pelo processo químico da osmose. “Dessa forma, enxuga o pulmão”, explica Jatene.
Ao fim do processo, que pode levar de duas a seis horas, o pulmão recupera a capacidade de oxigenar o sangue. No caso de Moura, o órgão ficou cinco horas na máquina.
O caminhoneiro, casado e pai de Ágata, de 13 anos, foi operado em 2 de março. A doença fazia com que tivesse a vida limitada – ele permanecia 24 horas por dia no oxigênio. “Eu perguntei o que ele gostaria de fazer, se o transplante desse certo. Ele respondeu: “Qualquer coisa: andar, subir escada”, conta Jatene.
Moura sabia que receberia pulmões recondicionados. Quando a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizou o transplante do órgão recuperado, os pacientes que estão na fila de espera foram convocados ao Incor. Os médicos explicaram a técnica e a expectativa de que ela pudesse fazer dobrar o número de doadores. A grande maioria aceitou receber o pulmão recuperado ou o convencional.
Início. A técnica chegou ao Incor em 2010, depois que o cirurgião cardiotorácico Paulo Pêgo Fernandes foi convidado para analisar o trabalho apresentado por um jovem médico sueco em um congresso em Florianópolis.
Pêgo viajou à Suécia, aprendeu a técnica, e o Incor apresentou projeto de pesquisa à Conep. O órgão autorizou o recondicionamento, mas não o implante dos pulmões. A decisão final só chegou em maio do ano passado.
“De certa forma, a espera foi positiva porque pudemos treinar. Fizemos experimentalmente a recuperação de 30 pulmões. Somos o centro do mundo que tem mais experiência em recondicionar os pulmões, sem utilizá-los”, afirmou Jatene.