Por um programa de garantia de empregos no Brasil

artigo de Caio Vilella, Daniel Negreiros Conceição, David Deccache e Fabiano Abranches Silva Dalto publicado originalmente em Le Monde Diplomatique. Veja na íntegra no link

Em meio à pandemia, a prefeitura do munícipio de Três Pontas (MG) identificou a aglomeração de pessoas como um problema a ser combatido. Em resposta, contratou cem pessoas desempregadas para fazer o trabalho de monitoramento de pontos de aglomeração ao custo de um salário mínimo. E se outras prefeituras pudessem contratar desempregados com salários pagos pela União para combater seus próprios problemas? Em outras palavras: e se o governo atuasse como Garantidor de Empregos de Última Instância como forma de combater a pandemia e suas consequências econômicas devastadoras?

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O proponente mais famoso desta política foi Hyman Minsky, autor que ficou mundialmente conhecido em 2008 graças ao sucesso explicativo – quase profético – da sua Hipótese da Instabilidade Financeira como descrição do tipo de crise financeira e econômica que implodiu o mercado de hipotecas subprime nos Estados Unidos e depois as economias ao redor do mundo. Segundo Minsky, uma das ferramentas capazes de atenuar a dinâmica cíclica de economias capitalistas, além de efetivamente eliminar a pobreza, seria a oferta pelo governo de empregos para todos os trabalhadores dispostos a trabalhar por um salário nominal por ele fixado.

A experiência mais próxima dessa proposta foi o New Deal do governo Roosevelt em resposta à Grande Depressão dos anos 1930. De forma parcial, experiências mais tímidas foram verificadas no programa Jefes de Hogar, colocado em prática no início deste século na Argentina. Neste caso, o governo federal se responsabilizou pelo pagamento do salário de apenas um(a) chefe(a) por família. Outro exemplo é o programa de emprego rural da Índia (National Rural Employment Guarantee Act, ou NREGA), introduzido em 2005 e até hoje em vigor, atendendo cerca de 128 milhões de pessoas. Vale notar que regiões do território chinês e a República de Gana possuem experiências similares.

Mais do que combater um problema econômico, o programa visa enfrentar uma questão social. O fato de uma pessoa disposta e apta a trabalhar por salário, às vezes até menor que o mínimo, não conseguir encontrar emprego representa uma tragédia individual e, muitas vezes, familiar. Afinal, espera-se que um(a) chefe(a) de família seja capaz de dar sustento digno a si e à sua família com o salário recebido em troca da sua mão de obra. Não conseguir trabalhar e receber salário significa, para a grande maioria das pessoas, não sobreviver com dignidade.

Para além da tragédia individual, o desemprego também representa uma tragédia social e econômica. O desemprego é potencial produtivo da sociedade que está sendo desperdiçado. O gráfico abaixo, elaborado com estimativas conservadoras, dá uma ideia do quanto do potencial produtivo brasileiro tem se perdido (em termos de produto que deixou de ser produzido) em razão do desemprego desde 2012.

Assumimos duas hipóteses para estimar o produto potencial que o Brasil vem desperdiçando desde 2012 em virtude do desemprego: (a) que a taxa de participação por todo o período poderia ter se mantido igual à maior taxa de participação da força de trabalho (62,12% em outubro de 2019); e (b) que a taxa de ocupação ao longo do período poderia ter se mantido em 93,8%, a mais elevada da série (em dezembro de 2013). Dessa forma, calculamos o produto que poderia ter sido obtido se nossos gestores macroeconômicos tivessem sido capazes de manter o nível de ocupação no seu nível mais elevado já alcançado, supondo que os desempregados (se fossem contratados) tivessem produtividade 50% ou 30% menor que a dos trabalhadores empregados. O resultado é uma perda mensal média de produto da ordem de 2,7% a 3,8% do PIB (algo perto de R$ 1,5 trilhão no período analisado). De março a maio de 2020, por efeito da pandemia e da falta de políticas econômicas adequadas para enfrentá-la, a perda de produto por causa do desemprego já chega à ordem de R$ 111 bilhões a 156 bilhões, a depender da hipótese de produtividade do trabalhador.

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Caio Vilella é doutorando do PPGE na UFRJ.

Daniel Negreiros Conceição é professor do IPPUR na UFRJ.

David Deccache é economista e assessor técnico na Câmara dos Deputados.

Fabiano Abranches Silva Dalto é professor de Economia na UFPR.