Proposta de reforma tributária do governo ameaça seguridade social

Para ampliar as discussões sobre os desafios da Reforma Sanitária no país, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) realizou nos dias 4 e 5 de setembro, o seminário “Seguridade Social e Cidadania: desafios para uma sociedade inclusiva”, realizado na cidade do Rio de Janeiro. A ameaça que a Reforma Tributária impõe à seguridade social e a necessidade de barrá-la nesse ponto foram as principais conclusões que o grupo de especialistas ali reunido chegou.

No primeiro dia do encontro, a mesa “Contradições e Tensões à Efetivação do Direito, da Universalidade e da Integralidade” reuniu Joan Subirats (Universidad Autónoma de Barcelona), Analía Mara Minteguiaga (FLACSO – Equador/ Instituto Gino Germani, Universidade de Buenos Aires). Roger Rios (Juiz Federal / UFGRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Sonia Fleury (Cebes/Fundação Getulio Vargas). A atividade foi coordenada por Paulo Amarante (Cebes) e contou com ainda com a participação de Maria Aparecida Faria (CNTSS – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social) e Guacira César de Oliveira (CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria).

Na seqüência Ana Sojo (CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), Marcio Pochmann (IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), José Roberto Afonso (Senado Federal) e Maria Lucia Werneck Vianna (UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro) participaram da mesa “Constrangimentos do Modelo Econômico à Seguridade Social”. A atividade foi coordenada por Ligia Bahia (Cebes) e teve a participação dos debatedores Adhemar Mineiro (DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), Assunta Di Dea Bergamasco (ANFIP – Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) e Irina Bacchi (ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais).

Contexto

Importantes mudanças na política social brasileira foram impressas a partir do modelo de Seguridade Social previsto na Constituição de 1988. Trata-se de um modelo constitucional que gerou novos e robustos sistemas de saúde e também de assistência social. Além de ampliar e democratizar a previdência social, ele também permitiu a democratização, o acesso e a utilização de serviços, consolidou a noção de direito, criou novas modalidades de gestão, criou e consolidou estruturas de controle social. No entanto, muitos dos elementos previstos não foram implementados. Ao contrário, eles acabaram sendo alterados em sua essência.

Diversos fatores explicam as limitações à Seguridade Social como prevista no modelo constitucional. Mas pode-se dizer que todos tiveram como pano de fundo os conflitos entre a implementação de um modelo ampliado de Seguridade e a adoção de políticas neoliberais a partir da década de 90. No entanto a nova proposta de Reforma Tributária traz significativos impactos sobre a política de seguridade social hoje em vigência.

Diante desse cenário, atualizar o debate sobre a seguridade social, para que ela inclua todos os cidadãos brasileiros e garanta uma cidadania eqüitativa é uma tarefa de extrema importância. Igualmente relevante é inserir a saúde à noção de Seguridade, para garantir que o SUS seja mais do que um sistema de acesso universal à assistência à saúde, e possa ser de fato um dos pilares de consolidação de uma democracia igualitária, objetivo da Reforma Sanitária. Estes foram os propósitos que nortearam o seminário realizado pelo Cebes.

Com a participação de 240 pessoas, entre elas uma expressiva quantidade de profissionais ligados a entidades que lutam em prol da seguridade social, o seminário do Cebes permitiu não só enriquecer o debate sobre esta temática, mas também extrair do grupo, que participou, especificamente de uma das atividades do encontro realizada no primeiro dia, um compromisso de luta no Congresso Nacional e junto à sociedade para garantir os direitos sociais já conquistados. Na ocasião foram apresentadas proposições para a composição de uma agenda mínima que defini a elaboração de uma carta-compromisso com a identificação dos avanços já alcançados e o que ainda precisa ser realizado; a criação de uma versão virtual desse documento com links que remetam a questões tributárias e jurídicas; indicações de como a Reforma Tributária poderia causar prejuízo à seguridade social; além da produção de uma cartilha com conceitos para esclarecer e mobilizar a sociedade.

Também foi destacada a necessidade de uma atuação mais efetiva no Congresso Nacional, objetivando, assim, a criação de canais de articulação política com parlamentares e partidos políticos. Para tanto, deverão ser realizadas ações em parceria com instituições como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Fórum Brasil do Orçamento, Fórum da Reforma Sanitária, entre outros.

Seguridade Social versus Reforma Tributária

“A realização de audiência pública para debater a Reforma Tributaria é um instrumento importante, mas, por outro lado, pode ser concebida como único espaço de atuação da sociedade civil no debate”, ressaltou Elias Jorge, do Ministério da Saúde. Segundo ele, trata-se de uma iniciativa que pode funcionar como instrumento para corroborar a participação da sociedade civil. Entre as propostas apresentadas por ele destaque para: a articulação com Anfip e Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais e Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, órgãos ligados à Receita Federal do Brasil) para elaboração da proposição do movimento sanitário; e a retomada da CPMF, uma vez que não há espaço de discussão na Reforma Tributária na direção da implementação de um imposto progressivo, nos moldes da CPMF.

Ao lembrar a derrota sofrida pelo movimento sanitário com o fim da cobrança da CPMF, Ligia Bahia, da diretoria do Cebes, ressaltou que isso “foi atropelado por uma lógica específica do sistema tributário nacional, pouco sensível à lógica da seguridade social, aos princípios de universalidade e do direito”. Ela também defende a urgência na elaboração de uma proposta consensual do movimento sanitário que permita dialogar com a sociedade, que diga respeito aos problemas concretos da população, e não se limite ao debate em torno de recursos financeiros.