Saúde e universalidade para todos 

Debates sobre economia e garantia de direitos nortearam a abertura do 1º Encontro Construção e Fortalecimento de Sistemas Universais de Saúde nos Países Latino-Americanos 

Saúde, direito, universalidade e conquistas foram as palavras que marcaram este primeiro dia do 1º Encontro Construção e Fortalecimento de Sistemas Universais de Saúde nos Países Latino-Americanos, na sede da OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde, em Brasília. 

A compreensão da saúde como um bem coletivo faz parte da centralidade do evento promovido pelo Cebes – Centro Brasileiro de Estudo de Saúde, Ministério da Saúde e OPAS. O encontro foi aberto pelo assessor de Sistemas de Saúde da OPAS/OMS (Organização Mundial de Saúde), Julio Pedroza. Ele lembrou a importância do Brasil como exemplo não apenas para a América Latina, mas para todo o mundo como país que conquistou a garantia da universalidade em saúde. “Além de beneficiar a população do Brasil, o SUS é um modelo de referência para a região, pois está alicerçado em importantes princípios e valores como a equidade, a universalidade, a atenção, acesso integral e a participação popular”, destacou o anfitrião. 

Pedroza também ressaltou a necessidade de discutir os recursos financeiros para estratégias de atenção primária. “É importante ampliar não apenas a oferta, mas também o acesso para responder prontamente e garantir o acesso universal, como ampliar o número de equipes de Saúde da Família, por exemplo”.  

A ofensiva do neoliberalismo, juntamente com o avanço da extrema direita e a propagação de ideais antidemocráticos que trouxeram inúmeros prejuízos nos últimos anos foram apontados pelo diretor do Cebes, Carlos Fidelis, como enfrentamentos necessários. “Me refiro às guerras, às crises econômicas, climáticas e migratórias. Crises políticas e sanitárias, como a pandemia de Covid 19, cujos efeitos ainda estão presentes”. 

Para Fidelis a pandemia foi uma demonstração de que a população não pode continuar sendo subjugada às diretrizes neoliberais entre sistemas de saúde e economia. “Na pandemia vimos os ataques desferidos por grupos fanáticos contra às instituições como a OMS, OPAS e à academia, numa produção industrial de mentiras visando a manipulação da opinião pública”, lembrou. Portanto, a onda criada neoliberalismo resultou em intensos retrocessos que precisarão ser sanados ao longo dos próximos anos. “O fascismo é o neoliberalismo sem máscara. Nesse contexto, a democracia e a cidadania se encontram fortemente ameaçadas e constantemente atacadas ou cerceadas pelo chamado mercado”.

A questão econômica foi um ponto firmemente levantado pelo presidente do Cebes, visto que o “mercado” vem sendo blindado contra as legítimas pressões da democracia, o que em muitos países acaba se constituindo como um inimigo do Estado. “Sob o pretexto de equacionar dívidas públicas, segmentos econômicos privilegiados têm avançado sobre as poupanças e os fundos públicos, bem como dificultando a retomada da atividade econômica”, apontou Fidelis. “As políticas de austeridade e de juros elevados servem para drenar para o rentismo os recursos acumulados pelo trabalho árduo daqueles que estão na base da sociedade”.

“Saúde é democracia e democracia é saúde, este é o lema do Cebes. Estamos ao lado de uma democracia de alto impacto e de uma cidadania de fato. A saúde como entendemos deve estar no centro e nas prioridades dos projetos nacionais. Não estamos falando apenas de projeto de sistemas saúde, mas de projeto de país”

A vice-presidente da Fiocruz, Cristiane Vieira Machado, destacou a importância do encontro para discutir sobre a desigualdade social que caracteriza a América Latina pelos processos históricos estruturais. “Sabemos que as desigualdades são mais acentuadas entre as nações do que dentro das nações, e que para superação desse quadro, temos que trabalhar juntos”, disse. Cristiane lembrou que diante deste cenário, geopoliticamente, o Brasil teve uma piora como região. “A questão da integração regional é fundamental para superarmos alguns desafios estruturais que atingem vários países e seus povos”. 

Nesta véspera da 17ª Conferência Nacional de Saúde, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, falou sobre a relevância do encontro latino-americano, que também levará suas propostas para a conferência. Além disso, a mobilização de diferentes atores da sociedade, não apenas do Brasil, mas de toda a América Latina, é necessária para construção de políticas públicas.  

Pigatto ressaltou, que mesmo com a eleição de governos democráticos e populares não é possível entender que, sozinhos, eles darão conta dos desafios. “Quando tivemos a 16ª (conferência), a construímos no ambiente do golpe neste país, fizemos um período de resistência, e quando preparamos a 17ª estávamos num período de um governo de extrema direita, que não tinha compromisso com nada daquilo que defendemos e construímos para a saúde”, pontuou. Agora, com o ambiente favorável, o presidente do CNS destaca: “Estamos em festa!”.

O secretário executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, destacou aspectos que precisam permear os debates no campo da saúde. Ele apresentou a imagem que marcou a cerimônia de posse do novo governo brasileiro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa com representantes da diversidade cultural de equidade que, segundo ele, devem ser o motor pelo qual se pretende governar o Brasil. “Num fórum como este não há como discutir sistemas universais de saúde sem discutir desigualdades, a diversidade e as situação que permeiam nosso processo histórico”.  

Outra imagem trazida por Berger foi a das conferências de saúde realizadas ao longo dos anos para destacar a importância desta construção social e histórica. “Temos conferências desde a 8ª, representando momentos históricos de criação de entidades como Cebes, sob o qual se ergue um conceito básico para todos nós: a saúde é sobretudo, uma conquista social!” Para Berger, é importante compreender a saúde dentro de um contexto de conquista social, não apenas como um direito positivado. Assim, como a própria Constituição Cidadã de 1988 faz parte de um movimento de conquistas da sociedade. “Não vamos esquecer que nosso SUS é originário de uma emenda popular, recepcionada pelo então nosso querido deputado Sérgio Arouca”. 

O secretário Swedenberger, enquanto sanitarista, destacou que ainda temos alguns debates a serem realizados. Um deles está no próprio conceito de universalidade. “Será que a cobertura atinge o acesso universal, atinge equidade sob o ponto de vista dos serviços e da assistência? É um debate que podemos fazer”. Outro ponto importante é entender que se deve subordinar saúde ao orçamento. “Não é possível justificar, como quer o mercado, que os direitos colocados na constituição. Os direitos são conquistas inalienáveis, sobre eles, não se negociam, se ampliam”. 

“Quem disse que a gente tem que abrir mão de direitos para limitá-los ao orçamento? Ainda que estejamos em determinados momentos em situações de dificuldade como gestores públicos, mas vamos encontrar formas concretas de fazer isso. Vamos fazer determinadas políticas que a gente trabalhe redução dos juros, por exemplo, e tantas outras situações que podem ser resolvidas sem que sacrifique direitos dos cidadãos como conquista social”.  

Uma terceira imagem trazida pelo secretário foi para ilustrar a perseverança do SUS, com a participação e controle social e o histórico de riscos que o sistema vem sofrendo. Ele ilustrou esta posição com a apresentação de uma frase do Cebes. “O direito não subordinado à página da lei, A lei deve ser a consequência de um direito conquistado pela sociedade”. Berger finalizou a abertura do encontro declarando que “sistemas universais de saúde são exequíveis, sustentáveis e possíveis em um governo democrático, às vésperas da realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, onde o próprio presidente Lula estará presente e incita a participação de todos os seus ministros”. 

Assista no link ou a seguir o primeiro dia do 1º Encontro Construção e Fortalecimento de Sistemas Universais de Saúde nos Países Latino-Americanos: