Manifesto para as instituições de ensino superior à altura das suas missões

O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) apoia e assina o manifesto For universities that live up to their missions, que se coloca contra a degradação da missão e objetivos das Universidades Públicas e, em particular, contra a pressão absoluta do “publicar ou perecer”, que leva à grande concorrência e atitudes insuportáveis entre as universidades.

Tais instituições tem sido convidadas a se tornarem agentes da produção máxima em tão pouco tempo quanto possível. Consequentemente, estão sujeitas a mais e freqüentes avaliações e auditorias internacionais que medem sua produtividade e mantem ou não suas posições em vários rankings.

Tal cenário distorce o objetivo da pesquisa universitária, que deve ser aberta a projetos realizados por equipes pequenas e relativamente desconhecidas, e induz à produção de projetos bem apresentados, e não projetos que poderiam, de fato, fomentar o conhecimento.

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Manifesto para as instituições de ensino superior à altura das suas missões

As instituições de ensino superior  financiadas por dinheiros públicos têm três missões, o ensino, a investigação e o serviço à comunidade que se caracterizam pela sua imbricação e finalidades.

Para os signatários deste manifesto, estas missões têm como finalidades:

– conservar os saberes adquiridos ao longo da história, produzir novos saberes e transmitir o mais possível uns e outros  com as controvérsias de que eles foram ou são objecto;
– formar os estudantes nas metodologias de investigação e na análise crítica  dos jogos/jogadas e efeitos societais das questões, práticas e resultados do campo científico,
– no exercício de um pensamento livre de qualquer dogma na procura do bem comum e no de uma actividade profissional  conhecedora e responsável;
– alimentar a reflexão das sociedades sobre elas próprias, em particular sobre o seu modelo de desenvolvimento.

Os estilos  actuais de governação das instituições do ensino superior vão ao encontro desta visão da instituição de ensino superior.

Estes estilos têm como palavras principais eficácia, rentabilidade e competitividade. O projecto proposto às instituições de ensino superior é o de se tornarem instâncias com o máximo de produção no mínimo de tempo, de investigadores e profissionais adaptados às exigências do mercado, flexíveis e concorrenciais — medindo-se o progresso da humanidade em termos de crescimento económico e de avanços técnicos e o das instituições de ensino superior, em termos de “massa crítica”.

Assim, e com consequências que se encaixam:

As instituições de ensino superior são submetidas a avaliações e auditorias internacionais cada vez mais numerosas que medem a respectiva produtividade e permitem  situá-las nos rankings.

Sem negar o interesse da avaliação das práticas das instituições de ensino superior e dos seus efeitos, deve constatar-se que as avaliações actuais operam segundo critérios restritos, a maior parte das vezes formais e calibrados por  práticas estandardizadas; que a competição que essas práticas  reforçam entre instituições de ensino superior mantém uma corrida às publicações cujo número pode prevalecer sobre o interesse intrínseco; que os seus procedimentos são de uma burocracia incomodativa  e que a mensagem que veiculam lhes lembra permanentemente que a lógica à qual devem entregar-se é a do mercado e da normalização mundial.

Para além do orçamento geral das instituições de ensino superior, a selecção das investigações elegíveis para um financiamento é amplamente determinada por apelos da  oferta  e pela dimensão ou reputação das equipas  que respondem a essas chamadas.

Este estado de coisas prejudica a identidade da investigação nas instituições de ensino superior, em princípio interessada por tudo e aberta à inovação a qual também pode estar a cargo de pequenas equipas de investigadores e de jovens investigadores sem reputação reconhecida. Privilegia mais depressa um projecto bem enquadrado e apresentado do que outro que seria importante do ponto de vista do avanço dos conhecimentos.

Quanto ao ensino, os créditos atribuídos às instituições de ensino superior dependem a maior parte das vezes do número dos seus estudantes.

No caso de  um envelope fechado, este conduz a uma “caça aos estudantes” o que faz correr o risco de uma diminuição da qualidade das formações oferecidas e o de ver desaparecer disciplinas importantes mas pouco frequentadas.

Os cursos do ensino superior são obrigados a especificar as competências profissionalizantes que devem desenvolver nos estudantes.

Se dotar os estudantes das competências necessárias às suas futuras actividades profissionais é indispensável, o destaque destas competências expõe os cursos de ensino superior a privilegiar os saberes utilitaristas e “vendáveis” à custa das ciências fundamentais e dos saberes de âmbito humanista, críticos e reflexivos.

Os serviços de gestão interna e de representação do pessoal docente prestados à sua instituição multiplicam-se e ultrapassam os serviços prestados à sociedade.

Os elementos que acabam de ser evocados contribuem para tornar o trabalho dos docentes instituições do ensino superior repetitivo e cada vez menos inovador, acentuam o stress profissional de muitos deles – o investigador e o professor empenhados arriscam-se a perder os seus ideais.

Para promover a sua visão das instituições de ensino superior, os signatários deste manifesto apelam:

– a que se garanta à investigação no ensino superior a liberdade de exploração necessária a toda a descoberta, o direito à hesitação e ao fracasso;

– a que se reequilibrem respectivamente saberes críticos e operacionais, competências gerais e profissionalizantes nas formações oferecidas pelas instituições de ensino superior;

– a que se promovam os serviços á comunidade;

–  a que se estrangule a inflação burocrática, a corrida contra-relógio e outros factores de stress que impedem os docentes de realizar bem o seu trabalho;

a que se avaliem as práticas das instituições de ensino superior e seus efeitos na perspectiva das finalidades das instituições e não na das expectativas do mercado.

Aos seus olhos, encontrar estas necessidades, nomeadamente, passa por:

– a afirmação das finalidades das instituições do ensino superior como  foram antes definidas;

– o refinanciamento global do ensino superior;

– a utilização de critérios de atribuição de atribuição dos financiamentos públicos que encorajem a diversidade da investigação e que protejam a qualidade e a pluralidade das formações oferecidas pelas instituições de ensino superior.

Apelam:

Aos poderes públicos e autoridades académicas que reconheçam às instituições de ensino superior as finalidades consentâneas com a sua identidade e função social e que lhes dêem os meios de as encontrar;

Aos docentes do ensino superior que resistam às medidas e práticas que vão no sentido oposto ao das posições deste manifesto; que abram espaços de expressão e de análise aprofundada do mal-estar existente no ensino superior, suas causas e pistas de solução; que se mobilizem em acções concretas – a determinar segundo os contextos – para fazer valer as suas posições e propostos em qualquer lugar onde seja  útil; que apoiem os movimentos e acções exteriores às instituições de ensino superior em busca do bem comum.