Congresso da Alames aponta linhas condutoras para o êxito na luta pelo direito a saúde na América Latina

Com o tema “Crise, aceleração e despojo no capitalismo global: avanços e retrocessos na luta pela saúde e pela universalização dos direitos”, teve fim o XII Congresso Latino Americano de Medicina Social e Saúde, realizado pela Alames na última semana, em Montevidéu. O evento contou com a presença de 26 países e aproximadamente 700 inscritos, que debateram a fundo a crise estrutural do capitalismo e a força do mercado instalada no setor da saúde.

Reunindo estudantes, profissionais, pesquisadores da medicina e ativistas sociais, o Congresso tornou claro que a Medicina Social deve se voltar para um esforço coletivo na construção de um novo modo de produção. O conhecimento acumulado ao longo de décadas e os novos estudos sobre o processo saúde-doença devem ainda aprofundar o olhar sobre o modelo de sociedade, identificando as situações relacionadas à determinação social da saúde.

De acordo com Fernando Borgia, coordenador do Congresso, o intercâmbio de experiências e de reflexões contribuiu para avançar no processo de universalização de direitos na América Latina e em outros países. “É uma circunstancia de crise global do capitalismo que pede atenção e posicionamento para seu enfrentamento. Aqui, pudemos refletir sobre quais são os caminhos e como é possível lutar e avançar contra os modelos econômicos atuais”, afirmou.

533685_375697625851238_2045603730_n“Neste encontro, pensadores e ativistas fizeram uma revisão e análise da conjuntura atual, expondo as diferentes experiências dos países que estão aqui, sobretudo diante desta nova crise do capitalismo. Dentro de suas particularidades, todos estão tentando incorporar o tema dos direitos sociais diante da agressividade do capitalismo”, afirmou a coordenadora geral da Alames, Nila Heredia.

Ainda segundo a líder da Associação, o encontro foi um âmbito de intercâmbio e formação em conjunto, até mesmo dos mais sábios. “Queremos que daqui saiam linhas condutoras que nos permitam êxito nesta luta pelo direito a saúde. Sendo esta luta uma luta intersetorial, temos que definir estratégias intersetoriais. Temos que discutir das mudanças climáticas à em que medida o canibalismo praticado pelas empresas privadas está determinando uma sorte de emergências e patologias que antes estavam controladas e hoje não”, colocou.

Nesse contexto, foram realizadas diversas atividades com vistas a explorar novas linhas de pensamento e propostas de ações para a construção de novos paradigmas. Dentre elas, a mesa “Determinação social da saúde e determinantes sociais da saúde: debate conceitual e implicações na planificação das políticas públicas e a qualidade de vida dos povos”, que contou com a presença da presidenta do Cebes, Ana Maria Costa, da pesquisadora e doutora em Ciências em Saúde Pública Oliva López, da pesquisadora cubana María Cecilia Santana e da pesquisadora em Saúde Pública e Mental da Universidade de Buenos Aires, Alicia Stolkiner.

Para Ana Costa, a Medicina Social ou, como chama-se no Brasil, Saúde Coletiva, tem como uma de suas bases fundamentais a concepção da determinação social do processo saúde-doença. “Isso quer dizer que um grupo social ou uma população reage de forma diferente em relação à saúde, de acordo às suas condições de vida, envolvendo aí o conjunto da necessidade humanas”. Segundo a presidenta do Cebes, as evidencias das desigualdades e iniquidades em saúde devem ser compreendidas a partir da analise do modelo de sociedade instalado, a distribuição dos meios de produção e o acesso aos bens e consumo: “a condição de saúde reflete a condição de desenvolvimento social que consagra e consolida direitos sociais”.

Na ocasião, a presidenta apresentou, ainda, uma reflexão sobre a incorporação da condição de gênero na formulação e implementação de políticas, tomando esta categoria como um determinante sociocultural.

21105_375406359213698_283516542_nA presidente da Associação int ernacional de Políticas de Saúde, Asa Cristina Laurel, participante da mesa “Confrontando as políticas de desmantelamento dos sistemas de proteção e seguridade social”, afirmou a importância do debate: “essas experiências tem nos trazido uma riqueza enorme. Creio que resultou evidente, aqui, que a aplicação de políticas neoliberais não é uma questão exclusiva da América Latina. De outro lado, temos experiência e temos demonstrado empiricamente que essas políticas tem limitações muito fortes e causam reações entre grandes grupos da população”.

Também importante o painel “Nova onda de políticas e programas de ajustes econômico-fiscais e privatizações: impactos na qualidade de vida”, com a participação do diretor do Cebes, José Carvalho de Noronha, da pesquisadora mexicana Carolina Telelboin, da diretora do Grupo de Pesquisa, Gerência e políticas de saúde da Colômbia, Amparo Hernández, da Médica e líder do Comitê executivo do Sindicato Médico do Uruguai, Julia Galzerano, e do Membro do Observatório Português de Sistemas de Saúde, Henrique Botelho, que trouxe importante contribuição ao expor a situação da saúde pública em Portugal diante da crise.

545481_376486832438984_620843662_n“Temos oportunidade de tentar entender como no meio dessa crise, ao contrário de haver um enfraquecimento das grandes potencias, o que se assiste é um grande fortalecimento dos poderes dos EUA e da Alem anha e da condenação dos países da periferia para satisfazer as necessidades do capital desses países. Impressionante a concentração de riqueza dos EUA nos últimos anos, que cresce a cada crise. Isso tem consequências gravíssimas sob os países e populações mais pobres. Viemos discutir as possibilidades de resistir a esse cenário”, afirmou Noronha.

A mesa “Atores necessários para a condução do sistema de saúde: formadores de recursos humanos – equipe de saúde e participação popular” também trouxe outro importante debate, e foi composta por Alicia Stolkiner, o pesquisador argentino Horacio Barri, o especialista em metodologia de pesquisa e professor titular de Saúde Pública da UBA, Mario Borini, o professor titular da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Carabobo, na Venezuela, o consultor da Organização Panamericana de Saúde, Oscar Feo, o epidemiologista da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e consultor da Organização Pan-Americana de Saúde sobre doenças crônicas na América Latina, Victor Penchaszadeh, o diretor do Cebes, Luiz Bernardo Bieber e também o diretor de política editorial da entidade, Paulo Amarante.

223738_375406282547039_467062650_nSegundo Amarante, a mesa apresentou o paradoxo da formação de profissionais da saúde: “o questionamento que se fez é de como podemos formar pessoas para trabalhar com saúde sob uma ideia de defesa da vida e cidadania, ao mesmo tempo em que a saúde, cada vez mais, tem sido tratada como mercadoria”.

Ainda segundo Amarante, existem possibilidades: “deve-se trabalhar de maneira crítica a formação de novos profissionais, torná-los atores e protagonistas dessa história, colocar em discussão permanente os modos de produção de saúde e doença, o processos de produção e determinação social da saúde – não sob ideia de determinantes, que coloca no sujeito e seu modo de vida a culpabilidade – mas no sentido mais amplo, como os meios econômicos, sociais e políticos”.

Na ocasião do encontro, mais representantes europeus expuseram suas experiências para os latinos. Na mesa redonda “A crise e seu impacto sobre os sistemas universais de saúde na Europa”, coordenada por Oscar Feo e pela pesquisadora titular da Fiocruz Ligia Giovanella, e composta por Sergio Fernanández Ruiz, da Espanha, Henrique Botelho, de Portugal, e Hans Ulrich Deppe, da Alemanha, ficou evidenciado o choque econômico e social pós-crise do refinanciamento da dívida.

311249_378196048934729_647381793_nDe acordo com Ligia Giovanella, a mesa tratou “das crises e também dos movimentos que buscam se fortalecer contra ela; sobre a tensão por uma Europa mais democrática. Ficou claro a importante ação dos movimentos sociais e como a academia deve também se mobilizar nessa ação mais coletiva. No congresso, temos a possibilidade de conhecer as causas da crise de forma mais profunda, pois se trata também de uma crise social, do capitalismo – e muitos atores falam ainda de um capitalismo democrático. É preciso conhecer essas causas para atuar de forma mais efetiva”.

Também teve participação na mesa redonda a pesquisadora grega Renia Vaggopoulou, que atestou uma das experiências mais trágicas da Europa, ao expor a situação da saúde pública da Grécia nos últimos três anos, com os diversos cortes orçamentários sofridos diante da crise.

Não muito longe do país grego está a Turquia, representada pela professora turca Asku Tanik Feride, que mais cedo havia participado também da mesa “Confrontando as políticas de desmantelamento dos sistemas de proteção e seguridade social”, ao lado de Asa Cristina Laurel. Na ocasião, Aski Tanik revelou aos presentes a situação dramática de estudantes que foram presos injustamente por participarem de mobilizações contra a privatização dos serviços de saúde da Turquia.

Homenagem

O encontro também deu espaço para homenagens. Por sua inestimável contribuição para o campo da saúde pública latino-americana, considerando o volume, densidade e qualidade dos seus méritos científicos e reconhecida trajetória, recebeu o título de Doutor Honoris Causa a Ministra de Saúde de El Salvador e ex-reitora da Universidade de ElSalvador, Maria Isabel Rodríguez.

394134_376488549105479_260376805_nO título, oferecido pela Faculdade de Medicina da Universidade da República (UDELAR), do Uruguai, teve significado especial, segundo a ministra: “a grande honra a mim conferida com o grau desta respeitada e querida Universidade tem um significado especial, por eu fazer parte desta comunhão única há mais de 40 anos de pensamento e luta na construção do campo da Medicina Social”.

Assembleia da Alames

O XII Congresso Latino Americano de Medicina Social e Saúde guardou seu último dia para a realização da Assembleia da Alames, onde a nova coordenação foi eleita pelos presentes. A Assembleia avaliou a proposta levada pelo Brasil por meio do Cebes e apoiada pela Abrasco, sobre a importância de maior aproximação e articulação entre nossos países.

Para materializar esse desejo, ficou decidida a seguinte composição da equipe dirigente da Alames: Nila Heredia foi eleita, mais uma vez, coordenadora geral da associação, enquanto Oscar Feo e o diretor do Cebes, José Noronha, foram eleitos coordenadores adjuntos. Quem ocupa o cargo de secretario executivo é Rafael Gonzales.

Mais uma vez comandando a Alames, Nila Heredia acredita que foi uma excelente decisão a presença do Brasil e que espera trabalhar em equipe por uma associação mais forte e ativa na defesa do direito a saúde no continente.

Faça ainda o download, abaixo, de diversos documentos apresentados no encontro (em breve, mais documentos serão disponibilizados).

Download do arquivo “Austerity and health status decline – Greece as a paradigm – Renia Vaggopoulou”

Download do arquivo “Intersectorialidad y salud materno infantil en Cuba – María Cecilia Santana Espinosa”

Download do arquivo “Gênero e Saúde – Ana Maria Costa”

Download do arquivo “Política sanitaria y cuidado no-remunerado de la salud – Amparo Hernández”

Download do arquivo “PortugaL_Crise e saúde_Um país em sofrimento – Henrique Botelho”

Download do arquivo “The Crisis and its Impact on the Health Care Systems in Europe – Hans-Ulrich Deppe”

Download do arquivo “Declaração – Alames”

Download do arquivo “Confrontando las políticas de desmantelamiento de los sistemas de protección y seguridad social – Asa Cristina”

Download do arquivo “Avances y Desafíos en la Construcción de una Política de Salud sobre Violencia Doméstica – Sandra Romano”

Download do arquivo “Nueva oleada de políticas y programas de ajuste económico-fiscal y privatizaciones – José Noronha”

Download do arquivo “Desafios Gestão Local -Nardi”

Download do arquivo “Medicina Social e Salud – Nardi”

Download do arquivo “Movimientos y procesos político-sociales progresistas -Ponencia_Iván”

Download do arquivo “Determinación social de la salud y determinantes – Ana Costa”

Download do arquivo “Estado y poder – Oscar Feo”